domingo, 4 de maio de 2008


Olá Amigos,

Desta vez não preparei fotografias para vos mostrar, antes escrevi uma pequena história que se passou comigo e que, por julgá-la interessante, resolvi partilhá-la convosco.

Não tive grandes preocupações literárias e mesmo correndo o risco de, por ser grande, se tornar fastidiosa a sua leitura, decidi incluí-la no meu Blogue.
Creio que se tiverem tempo e "coragem" de a ler até ao fim, seguramente ficarão mais "Ricos" por terem conhecido uma "pequena aventura" deste vosso amigo e seguramente depois disso, serão capazes de ler qualquer coisa. (Ah! Ah! Ah!)

“Memórias da minha vivência musical


"Exemplar de um Cartaz a publicitar um Chá Dançante de Finalistas"



Vamos lá contar a história.........


“O HOMEM DO TÁXI”



Para quem não tem esta informação, o contador desta pequena história, teve á data, entre outras actividades, diz no importante documento abaixo referido, (Importante para mim claro…) Músico Profissional nas Especialidades de Viola Eléctrica, convém dizer, com a Carteira Profissional Nº. 8671, (o tal documento em cima referenciado) emitida em 16 de Agosto de 1969 pela Direcção dos Serviços de Espectáculos depois de um difícil exame, com instrumento e tudo, será também importante referir, com as quotas pagas até ao 4º Trimestre de 1971. (hã, hã, sempre cumpridor)

Bem, depois desta pequena informação sem contrapartida, grátis por assim dizer, vou então á sempre difícil tarefa de começar, julgo nunca ter lido, nem sequer ter ouvido falar em maiores facilidades no acabar, senão era mesmo por aí que iria partilhar as minhas memórias convosco, seguramente.


Estávamos no final do ano de 1969, fazia parte de uma Banda de nome ÀLVARO COSTA BANDA 5 , como podem comprovar um nome “Complicadíssimo” e nada condizente com a onda POP, ROCK da época, bem, dizendo melhor, “Generoso”talvez, uma vez que a Banda só tinha 4 elementos, (influência de outros exemplos Nacionais, estou-me a lembrar, sem fazer comparações, da Banda do Basco Shegundo Galarza que connosco ficaria a perder seguramente! Ah! Ah! AH!) mas adiante, pois ainda tenho muito para contar. A constituição da Banda era a seguinte: Álvaro Costa nas Teclas, Porfírio Laborinho no Baixo e voz, Fernando Cláudio na Bateria e voz e eu (Cristóvão Santos) na Viola e quase sempre sem voz (Eles percebem, ih! ih! ih!), feitas as apresentações, vou reportar-me ao dia 8 de Dezembro de 1969, sábado de sol e frio de Inverno.

Depois de na noite anterior termos participado num brilhante espectáculo, no Teatro José Lúcio da Silva, em Leiria claro, espectáculo esse que foi a 2ª Edição do “CATAVENTO” na altura uma réplica do celebérrimo “Zip-Zip”da RTP, feito só com “Gente da Terra” e que foi um sucesso tremendo. O Cláudio gravou em cassete de áudio a nossa actuação, mais tarde irão ver a importância que tem esta cassete, no desenrolar da história, diria mais, os problemas que uma P..... duma simples cassete pode provocar. (desculpem mas a um Contador de Histórias, deve ser permitido todo o tipo de linguagem para poder realçar melhor, certos pontos de importância, o que é o caso e estava mesmo a pedir…)

Depois de almoço e da bica tomada na Pastelaria Soraya, ponto de encontro da “rapaziada” na altura e seguramente o mais (como se diz agora) IN e badalado café do Distrito (dos meus amigos Rui e Mané Malhoa, o Mané também será figurante nesta história), partimos no Citroen ID, com a Rollote do Álvaro adaptada para o transporte dos nossos instrumentos, em direcção a Castelo Branco para irmos cumprir um Contracto de Actuação, no Baile de Finalistas do Liceu Nacional lá da terra. Como já referi, o dia estava lindíssimo mas bastante frio.

Na altura, convém referir que as estradas duma forma geral, tirando a Nacional 1, eram uma lástima, portanto a estrada para C. Branco não fugia á regra, curvas e mais curvas, horas de caminho para lá chegar, uma verdadeira aventura.

Ainda assim, a viagem decorreu sem sobressaltos até ao nosso destino. Como não me lembro de ter acontecido nada de transcendente ou digno de registo, na viagem, aproveito este hiato de tempo para referir que como todas as Bandas, também a nossa tinha um grupo de Fans, depois poderão perceber a influência ou importância que os ou as Fans, têm na felicidade dos elementos das Bandas ou na deles próprios.

Chegados a C. Branco dirigimo-nos ao Cinema da Terra onde se iria realizar o evento e qual não foi o nosso espanto, quando reparámos que nos Cartazes a anunciar o Baile de Finalistas não constava o nosso nome mas sim os nomes de Duas Bandas de Lisboa bem nossas conhecidas por acaso. Dirigimo-nos á Comissão de Finalistas e mostrámos o Contracto de Actuação, perfeitamente legal, assinado por ambas as partes que tínhamos em nosso poder. Depois de alguma negociação (acho que nunca falámos na quantidade de Advogados Amigos que tínhamos em Leiria) acabámos por fazer valer os nossos direitos. Concordaram em pagar-nos o “CACHET” a que tínhamos direito, mas só nos pagariam no final do Baile pois teriam de juntar as receitas das entradas e do bar para poderem pagar ás 3 Bandas.

Como a noite já ia alta e já não teríamos de montar os nossos instrumentos, resolvemos ir jantar descansados e de alguma forma bem dispostos, claro, iríamos receber um “CACHET” sem trabalhar, nada mau, os “PUTOS” Finalistas é que ficaram a perder, mas por culpa própria.

Entretanto vou passar a cena para Leiria. Do nosso clube de Fans, como referi, faziam parte, (sendo os mais fervorosos entre todos), o Zé Sebastião, nosso amigo de longa data, também ele tinha sido musico, um bom cantor e o Mané Malhoa que quase nada tinha a ver com a musica, a não ser, ser irmão de um excelente cantor, com participação num Festival da Canção, vejam só! Assim o Zé e o Mané, que nos acompanhavam para todo o lado, resolveram depois do jantar ir ter connosco a C. Branco (de loucos, só visto!) no nosso conhecido Ford Cortina do pai do Zé Sebastião. Sempre a acelerar lá chegaram perto das 10 e 30 horas, estava o Baile para começar, normalmente começavam por essa hora e acabavam pelas 4 ou 5 da manhã, conforme as licenças que conseguiam negociar com as Autoridades.

Acharam muita piada pelo facto de não irmos actuar mas ficaram um pouco decepcionados por não nos poderem ouvir a tocar. O Baile estava a decorrer normalmente, com muita gente o que nos deu algum descanso pois, estávamos preocupados em que eles fizessem uma boa receita para que nos pudessem pagar conforme o combinado. O nosso trabalho consistiu então em esperar e beber uns copos no bar. A nossa espera teria de ser longa, mas compensadora.
Aproveitei o meu tempo para intercalar, entre o Baile o bar e o carro do Álvaro, para ouvir a cassete áudio que referi de início, com a gravação do espectáculo da noite anterior. Passei o tempo nestas andanças, carro/bar do Baile/Baile/carro, até perto da 1 e 30 horas da manhã.

Por essa altura, já o Mané tinha bebido umas “cervejolas valentes” e passado algum tempo, “meteu baixa”, quer dizer, o Zé Sebastião teve de o ir levar ao carro e deitá-lo porque a coisa estava preta, como ainda se costuma dizer.
Entretanto o Zé Sebastião veio ter comigo e pediu-me que voltasse para Leiria com ele, uma vez que o Mané estava K.O. e não seria boa companhia para fazer a viagem de regresso até Leiria. Ser solidário é um predicado que tenho e acedi imediatamente ao seu pedido. Comuniquei ao resto da Banda o pedido do Zé e a minha decisão, ao que eles acederam, também solidários.


Arrancámos com destino a casa por volta das 2 horas da manhã. Depois de termos andado cerca de 80 Kms, só de curvas, com o aquecimento do carro quase no máximo, com o ar ambiente quase irrespirável, em estado permanente de enjoo e depois de quase 1 hora e meia de viagem, tive um estremecimento, uma daquelas coisas que nos bloqueia, ao mesmo tempo que nos acelera a tensão arterial as pulsações, sei lá que mais, sei que foi um sentimento horrível, imaginem só a desgraça… apercebi-me que trazia comigo as chaves todas, do carro do Álvaro e da Rollote dos Instrumentos. Pedi ao Zé para parar e contei-lhe. Acordámos o Mané para que fossem três cabeças a pensar na melhor solução para um problema tão complicado. Nunca mais me esquecerei da reacção e da solução prontamente apresentada pelo Mané, “deita-as fora” eles que se f….claro que não achei grande piada, mas hoje, á distância, até teve graça.

Depois de muito pensar, decidimos então, que a solução era arranjar um táxi para eu voltar para C. Branco, uma vez que o Zé Sebastião tinha trazido o carro do pai sem lhe pedir, (outra chatice) e teria de voltar a por o carro na garagem antes das 8 da manhã.
Como estávamos a chegar a uma vila de nome Cernache de Bonjardim, parámos numas Bombas de Gasolina á entrada da localidade, acordámos o homem que estava de serviço para que nos informasse onde poderíamos arranjar um táxi.


Lá nos informou da morada de um taxista. Batemos á porta do homem que nos apareceu sobressaltado á janela do 1º andar. A primeira reacção do homem foi dizer-nos que não podia fazer qualquer serviço pois tinha de ir buscar uma cliente ricaça a casa, ás 7 horas da manhã para a levar á missa do domingo. Argumentámos com a gravidade da situação e com a promessa de um generoso pagamento, e depois de fazer algumas contas, e de pedir 300 Escudos (na altura era muito dinheiro, dava para comprar 2 pares de calças da Levi’s novinhas, das genuínas, claro) concordei com o orçamento (que remédio, e também porque iria receber 2 contos sem ter trabalhado) foi um descanso, o homem lá aceitou o trabalho.

Enquanto esperávamos que o homem se vestisse, lembrei-me que seria um martírio ter de voltar a fazer aquela estrada horrível, de cujo estado de enjoo ainda bem presente, me levou a pensar na possibilidade de pedir ao homem que fizesse o trabalho sozinho.
Contei ao Zé e decidimos entregar-lhe as chaves, mesmo correndo o risco do homem não ser sério e depois de andar alguns Kms., marimbar-se para o seu compromisso.
Quando chegou, comuniquei-lhe a nossa decisão de já não ir com ele ao que ele acedeu.


Depois de lhe explicar que teria de ir á porta do Cinema de Castelo Branco e procurar os donos do Citroen ID com a matrícula tal e com uma Rollote branca atrelada, paguei-lhe os 300 escudos e pedi-lhe um cartão de visita para poder ter a identificação do homem.
Partimos então, nós para Leiria e O Homem do Táxi para Castelo Branco, depois disto tudo seriam mais ou menos 3 e 30 horas da manhã. (que jeito que teriam dado os Telemóveis nesta altura)

Vamos passar a cena para Castelo Branco.
Por volta das 4 Horas acabou o baile e depois de terem recebido o “CACHET” os meus amigos iam para entrar no carro quando verificaram que nenhum deles tinha as chaves do carro, claro, mal eles sabiam que as chaves iam a caminho de C. Branco com O Homem do Táxi. Facilmente descobriram que eu me tinha vindo embora e que tinha trazido as chaves, claro que não ouvi das boas porque ia a caminho de Leiria.
Estavam nesta altura a pensar alto, em arranjar uma solução para aquele grande problema, quando, curiosamente apareceram 2 “rapazolas” que lhes perguntaram se tinham algum problema. Depois de os informarem do sucedido, comprometeram-se a resolver o problema, com a garantia de que não estragariam nada.


Fariam uma “ligação directa”, com a condição de não serem denunciados e teriam de se afastar até ao fim da rua, tudo isto por 100 Escudos, vejam bem os mariolas…..não queriam mirones.
Ainda hoje nenhum de nós sabe como ali apareceram (eu não fui, apenas lhes mandei O Homem do Táxi, ah! Ah! Ah!).
É evidente que aceitaram logo preço e as condições. Lá levei mais uma machadada no meu “CACHET” a receber, mas tudo bem. Depois do carro aberto e a trabalhar, pagaram aos “rapazolas” e “levantaram ferro” em direcção a Leiria.

Vamos agora passar a cena para O Homem do Táxi, estava tudo a correr pelo melhor, estava quase a chegar a Castelo Branco faltavam para aí uns 20 e tantos Kms, quando de repente, felizmente, ia atento, passou por ele um Citroen ID com uma Rollote branca atrelada, ALTO! É o pessoal a quem tenho de dar as chaves, não sei como é que já aqui vão sem elas, mas não importa.
Deu meia volta, e quando se aproximou do Citroen ID começou a fazer sinal de luzes com insistência e a tentar ultrapassar, mas nada de o conseguir.

Vamos passar agora a cena para O Citroen ID.
Passa por cima, ó piolhoso! Mas o que é que o gajo quer, tem bem que lhe dar para nos passar. Alguém alvitra, se calhar é para nos assaltar, isto aqui é só curvas e pinhal, ainda por cima a esta hora da noite, mau, mau! Se calhar leva alguém ferido?! Mas o Hospital é para o outro lado, gaita! E o gajo não para de fazer sinal de luzes olha, olha, agora está a apitar, se calhar é melhor pararmos, pode ser alguma coisa importante, sei lá?! Deixa o passar, deixa o passar, está bem vamos parar, já se vê o que é que o gajo quer, diz o Álvaro.

Entretanto, voltando para o carro do Zé Sebastião, depois de chegar a Leiria deixou-me em minha casa foi pôr o Mané em casa também e foi guardar o carro na garagem, dentro do horário previsto e com tempo para o motor poder arrefecer, não fosse o pai dar por ela.
Com todo este stress causado por uma pequena distracção e com a possibilidade de consequências graves, na hipótese do O Homem do Táxi não ter respeitado o seu compromisso, como é que teriam resolvido o problema e onde estariam agora os meus companheiros?! Senti, naturalmente muitas dificuldades em adormecer, mas o cansaço venceu-me e pronto, adormeci.

Por volta das 2 horas da tarde, depois de almoçar, fui tomar café como habitualmente à Soraya e para meu meio espanto numa mesa ao fundo, junto á casa de banho das senhoras, nas mesas que funcionavam para almoços, estavam os meus companheiros de Banda e de aventura. Fui recebido sem palavras, apenas com olhares (poucos) e olhares de quem, depois de um crime, no mínimo, vai ser carrasco ou aplicar uma pena pesada.


Perante este cenário, o meu sentimento de culpa não deixou descansada a minha mente por onde passaram em poucos segundos e em catadupa os mais terríveis cenários.
Depois de insistir lá consegui que o Cláudio falasse, sem que fosse um alívio, pelo menos abrandou a minha tensão.


De repente veio um ataque que me destroçou completamente, combinaram bem o castigo a aplicar-me, souberam bem como deveriam fazê-lo, a encenação foi espantosa. A vingança foi servida ali mesmo no restaurante, no início da minha digestão, não se faz, francamente!
Lentamente enunciou os meus erros e as graves consequências deles.


-Deixei a porta do carro aberta e roubaram o rádio de cassetes, com a tal cassete.

-Roubaram a carteira do Álvaro com os documentos todos e não sei quanto dinheiro.


-Deixei a porta da Rollote Aberta e roubaram os instrumentos todos.


Não sei se eles pensaram na possibilidade de eu poder vir a ter, ali mesmo, um Acidente Vascular Cerebral, que me suicidasse, logo ali á frente deles, não sei, qualquer coisa de grave, sei lá!
Claro que eu era um miúdo na altura, só assim se explica como não me deu para fazer nenhum disparate. Muita gente boa tem “desistido” por bem menos.

Depois da tempestade normalmente vem a bonança e assim foi, não tardou muito que se largassem á gargalhada á minha custa. Claro que me contaram o que de facto sucedeu. Agora vão perceber porque razão dei o nome “O HOMEM DO TÁXI” a esta história. Durante alguns anos, guardei o cartão do “HOMEM DO TÁXI”, tenho pena de me não lembrar do seu nome, mas creio que o importante de facto é referir a sua honestidade acima de tudo.


No cumprimento do seu trabalho, teve de mandar parar os meus companheiros de Banda alguns Kms antes de C. Branco entregou-lhes as chaves e devolveu-lhes para que me fosse entregue a importância de 120 Escudos, valor esse que calculou ser o que deveria devolver por não ter necessidade de andar os Kms que comigo aprazou. De louvar este acto e não tenho nenhuma dificuldade em dizer que ele tem sido um exemplo importante na minha vida e que ajudou a formar a minha personalidade. Provavelmente já não viverá mas seguramente que descansa em paz.

O Natal de 1969 estava perto e como forma de reconhecimento á sua Honestidade, enviei-lhe um Bolo-Rei e uma garrafa de Vinho do Porto, no fundo tão pouco para o grande exemplo que me deu.

Cristóvão Santos
(2 de Maio de 2008)